LIVROS
Da Forma dos Governos com respeito à Prosperidade dos Povos e Cousas Políticas em
Portugal (1854)
Por. D. José Lacerda
Typographia Silva. Lisboa. 1854
In—8° de 338-II págs. E.
(…)É provável que Luz Soriano nunca tenha lido Guizot, Royer-Collard ou
Doñoso Cortés, tanto mais que, como o próprio se auto-retratou, evoluíra
de um republicanismo teórico antiorganicista para uma esquerda
monárquica progressista e, sobretudo, apartidariamente nacionalista. Em
contrapartida, D. José de Lacerda reflecte a influência daqueles
autores — o que não é surpreendente, uma vez que o seu patrono,
Cabral, fora o mais puro representante do doutrinarismo em Portugal. A
sua obra data de 1854 e intitula-se Da Forma dos Governos com respeito à
Prosperidade dos Povos e Cousas Políticas em Portugal. Mais imparcial e
moderado do que Luz Soriano, Lacerda reflecte extremamente bem o
clima de transição entre duas épocas e dois sistemas políticos que então
se vivia e as decorrentes ambiguidades,
incertezas e esperanças que isso trazia a todos os níveis, em particular ao
nível do problema partidário. O autor parte de uma questão central, a
saber: «Por que razão o governo representativo não tem sido para
Portugal de tanta vantagem quanta devia ser?» Acto contínuo, identifica
o responsável por este flagelo nos «bandos desvairados», nos
«interesses facciosos» e nos especuladores políticos que vicejavam
em Portugal desde 1820: «Porque foi impossível aos bandos verem-se
isentos, imparciais e justos no transformar-se a sociedade [...] é por isso
que tão escassos têm sido os governos modernos de frutos proveitosos
para os povos.» Até aqui nada de novo em relação ao que diria Soriano.
As diferenças começam a notar-se, no entanto, quando Lacerda declara
que os partidos não são uma instituição incorrigível, puramente inútil,
mas que, ao invés, podem e devem (atente-se nas palavras) «constituir
se conforme às prescrições da nova organização política», se forem
«dominados pela inteligência e modificados por aplicação conveniente
em proveito da sociedade»86. O seu discurso no sentido de que os
partidos políticos são peças compatíveis com a engrenagem do sistema
liberal, mediante uma evolução interna que os regenerasse e habilitasse
para tal, fundava-se na constatação óbvia, mas até aí muito mal assumida,
assumida, de que o regime parlamentar, pela sua própria natureza,
engendrava a divisão e o afrontamento entre opiniões contrárias e
diversas, politicamente saudável desde que norteada pela comum
procura de concretização das chamadas «causas gerais» (questões
nacionais). Na obra de D. José de Lacerda está, portanto, exposta a ideia,
inovadora em relação à cultura política do período pré-1851,
de que o partido político poderia desempenhar uma função positiva
dentro do sistema representativo. Restava que efectivamente o fizesse
para que se deixasse de assistir em Portugal ao pouco edificante
espectáculo do fraccionamento da «pública autoridade do Estado», em
múltiplas camarilhas ociosas que «não cessa[vam] de afrontar e coagir a
legítima autoridade». Meticuloso, o próprio autor explica como,
definindo qual era, na sua opinião, o segredo de bem governar: tratar-se-
ia de «saber achar um conjunto de elementos de força e de luz» que se
agregassem num partido novo, que não fosse um «partido» no sentido
faccioso do termo, «forte pelo número, poderoso pela inteligência,
esclarecido pela prática dos negócios, e respeitável por austera
moralidade» (…) In José Miguel Sardica* Análise Social, vol. xxxii(142),
1997 (3.°), 557-601. Os partidos políticos no Portugal oitocentista
(discursos historiográficos e opiniões contemporâneas).
Encadernação inteira de pele não contemporânea. Bom exemplar.
Vendido por 45.00 EUR